Tecnologia como fonte do desenvolvimento?
Por que os países em desenvolvimento tardam em alcançar os ricos
Friedrich Hayek argumentou — de uma maneira memorável — no seu ensaio O Uso do Conhecimento na Sociedade que o conhecimento necessário para o avanço económico é fundamentalmente subjetivo e está disperso por toda a sociedade. Seria impossível condensá-lo transmiti-lo para um comitê de planeamento económico centralizado. Mais especificamente, Hayek explicou que a informação com que empreendedores e consumidores lidam diariamente não é objetiva; não é como a informação que se encontra impressa num catálogo. Ela não é um dado constante que está ali para ser consultado a qualquer momento. Ao contrário, ela é uma informação subjetiva, e não objetiva. Ela é tácita, por assim dizer. Ela é do tipo "sabemos algo, temos a técnica, a prática e o conhecimento, mas não sabemos no que tudo isso consiste detalhadamente."
Seria como a informação necessária para andar de bicicleta. É como se alguém quisesse aprender a andar de bicicleta estudando as fórmulas físicas e matemáticas que expressam o equilíbrio que mantém o ciclista enquanto ele pedala. O conhecimento necessário para saber andar de bicicleta não é adquirido desta forma, mas sim mediante um processo prático de aprendizagem, normalmente bem acidentado, que finalmente permite entender como se equilibra sobre uma bicicleta, além de detalhes fundamentais, como o de que, ao fazermos as curvas, temos de nos inclinar para não cairmos.
O objetivo de Hayek era dizer que, dado que as informações estão dispersas por toda a economia, dado que elas são de caráter subjetivo e dado que elas nunca são conhecidas por todos, na mesma dimensão, era obviamente impossível uma mente ou mesmo várias mentes obterem e processarem todas as informações que estão dispersas na economia. As interações diárias entre milhões de indivíduos produzem uma multiplicidade de informações que são impossíveis de serem apreendidas e processadas por apenas um pequeno grupo de seres humanos.
Sendo assim, essas características tornam o planeamento socialista um arranjo inexequível, pois, no socialismo, um órgão planeador da economia necessita receber um fluxo ininterrupto e crescente de informação, de conhecimento e de dados para que seu impacto coercivo — a organização da sociedade — tenha algum sucesso. No entanto, é impossível que um comitê económico planeador centralizado possa obter todas as informações necessárias para coordenar economicamente toda a sociedade. É impossível centralizar todo o conhecimento necessário para um processo de tomada de decisão. Por conseguinte, se isso fosse tentado, o controle político e a alocação de recursos sofreriam graves ineficiências.
Por que todo esse prólogo?
Embora com um objetivo diferente, Ricardo Hausmann, professor de economia da Universidade de Harvard, verbalizou essa mesma ideia de Hayek ao explicar por que as nações em desenvolvimento estão muito lentas na sua tentativa de alcançar as nações ricas.
Segundo a teoria neoclássica, para que haja desenvolvimento económico, é necessário que um país adopte novas tecnologias que melhorem a produtividade da sua mão-de-obra. E essas novas tecnologias normalmente são criadas pelos países ricos. Ao passo que o criador de novas tecnologias irá auferir lucros extraordinários no curto prazo, todos irão ganhar ao adoptarem essas tecnologias no longo prazo.
Até aí tudo certo.
No entanto, ainda segundo a teoria neoclássica, isso significa que economias em desenvolvimento deveriam ser capazes de se aproximar mais das nações em desenvolvimento tão logo adotassem essas novas tecnologias.
Dito de outra forma, os mercados emergentes de hoje deveriam estar mais ricos do que as economias avançadas estavam antes da criação dessas tecnologias.
Porém, como explica Hausmann, não apenas essa ideia não procede, como ela está substancialmente errada:
O PIB per capita, a preços constantes, era 140% maior na Grã-Bretanha de 1960 do que no Brasil de 2010. Era 80% maior no Japão de 1960 do que na Colômbia de hoje, 42% maior na França da época em relação à Tunísia de hoje, 250% maior na Holanda de então em relação à Turquia atual, e 470% maior na Itália da época em relação à presente Indonésia.
O que explica esta discrepância?
Sem entrar em detalhes sobre as incertezas geradas pelos respectivos regimes políticos ou sobre as décadas de desastre monetário geradas pelos bancos centrais desses países, apliquemos as constatações de Hayek.
A natureza tácita do conhecimento faz com que seja extremamente difícil transmitir corretamente todas aquelas coisas que foram aprendidas no passado. Como dito, ninguém aprende a andar de bicicleta lendo um livro de física; só aprendemos pelo método da tentativa e erro. O real efeito desse pedaço de conhecimento só é entendido e aprendido por meio da aplicação prática. Isso significa que tal conhecimento é implícito.
Da mesma forma, os vários pedaços importantes de conhecimento necessários para o desenvolvimento económico de um determinado país não estão explicitados objetivamente em manuais de economia; eles não estão digeridos e prontos para ser aplicados, como uma receita de cozinha, nos países que até então desconheciam esses conhecimentos.
O real desafio de um país em desenvolvimento é descobrir quais são os melhores métodos a ser aplicados na sua economia. Deve-se levar em conta o conhecimento específico da população desse país e, após um longo (e talvez doloroso) processo de tentativa e erro, determinar o que funciona melhor.
Dessa forma, o conhecimento necessário para o desenvolvimento não pode ser encontrado apenas e só nos grandes agregados macroeconómicos nos quais as políticas económicas se baseiam. Ao contrário: são os pequenos dados gerados pelos inúmeros agentes económicos (empreendedores e consumidores) dispersos por toda a economia que formam todo o corpo de conhecimento útil que impulsiona a economia para frente.
Economistas e elaboradores de políticas económicas têm de aceitar este simples facto: se o desenvolvimento fosse uma questão de apenas se adoptar melhores tecnologias, então não haveria nenhum motivo para que alguns países ainda fossem subdesenvolvidos após décadas de adopção maciça de várias tecnológias que melhoram a produtividade. (Seria até possível argumentar que as melhores instituições políticas também estão nesta categoria: elas claramente melhoram os resultados económicos, e isso pode ser aprendido de forma razoavelmente rápida em qualquer um dos vários livros sobre o assunto).
Reconhecer o papel e a importância do conhecimento implícito nos permite entender corretamente por que alguns países ainda estão bem atrás que outros, não obstante a adopção e a disponibilidade geral da tecnologia necessária para desenvolvê-los.
Sem comentários:
Enviar um comentário