segunda-feira, 31 de agosto de 2020

 0-A necessidade de relevar o papel da teoria económica

É inútil abordar factos sociais com a postura de um censor que os aprova ou desaprova segundo padrões bastante arbitrários e julgamentos de valor subjetivos. 

Devemos sim, estudar as leis da acção humana e da cooperação social como um físico estuda as leis da natureza. A acção humana e cooperacção social vistas como objeto de uma ciência que estuda relações existentes e não como uma disciplina normativa de coisas que deveriam ser.

Toda a acção humana representa uma escolha, a manifestação de uma vontade humana, um comportamento propositado. 

O marxismo afirma que a forma de pensar de uma pessoa é determinada pela classe a que pertence. Toda a classe social tem  a sua lógica própria. O produto do pensamento não pode ser nada além de um “disfarce ideológico” dos interesses egoístas da classe de quem elabora o pensamento.

Ao investigador da física, pouco importa se alguém estigmatiza as suas teorias como burguesas, ocidentais ou judias; da mesma maneira, o economista deveria ignorar a calúnia e a difamação que mais não são do que cortinas de fumo na tentativa de denegrirem quem pensa diferente e tenta demonstrar as suas teses; deveria deixar os cães ladrarem e não prestar atenção aos seus latidos. O seu trabalho é analisar exaustivamente e definir todas as condições e suposições, com base nas quais pretende validar as suas afirmações e conclusões.

É um erro considerar a física como um modelo e um padrão para a pesquisa em economia, mas os comprometidos com esta falácia deviam ter aprendido pelo menos uma coisa: nenhum físico defende que o esclarecimento de algumas condições e suposições de um teorema da física esteja fora do campo de interesse da pesquisa da física. 

A questão central a que a teoria economica tem obrigacção de responder é sobre a relação entre as suas conclusões e a realidade da acção humana, cuja compreensão é o objeto dos estudos da economia. Portanto, compete à teoria economica examinar minuciosamente a afirmação segundo a qual os seus ensinamentos são válidos apenas para o sistema capitalista, durante o curto e já esvaecido período liberal da civilizacção ocidental. É dever da teoria económica, e de nenhum outro campo do saber, examinar todas as objeções levantadas de origens diversas contra a utilidade das suas conclusões para o esclarecimento dos problemas da acção humana. 

O sistema de pensamento económico deve ser construído de tal maneira que possa responder e se mantenha à prova de qualquer crítica por parte do irracionalismo, do historicismo, do panfisicalismo, do behaviorismo e de todas as modalidades de polilogismo. É intolerável que os economistas ignorem os argumentos que diariamente são expandidos para demonstrar a futilidade e o absurdo dos esforços da ciência económica.

É comum a muita gente censurar a teoria económica por ser retrógrada, por não responder cabalmente aos problemas que se lhe colocam. Ora, é óbvio que a teoria econômica não é perfeita. Não existe perfeição no conhecimento humano, nem em qualquer outra conquista humana. 

A teoria mais elaborada que parece satisfazer completamente a nossa sede de conhecimento pode um dia ser corrigida ou superada por uma nova teoria. A ciência não nos dá certeza final e absoluta.  Apenas nos dá a convicção dentro dos limites de nossa capacidade mental e do prevalecente estado do conhecimento científico. Um sistema científico, não é senão um estágio na permanente busca de conhecimento. É necessariamente afetado pela insuficiência inerente a todo esforço humano. 

Mas reconhecer estes factos não implica que o estágio atual da teoria economica seja retrógrado. Significa apenas que a economia é algo vivo – e viver implica tanto imperfeição como mudança.

A acusacção do alegado atraso é levantada contra a economia a partir de dois pontos de vista diferentes.

a) existem, de um lado, alguns naturalistas e físicos que censuram a economia por não ser uma ciência natural e não aplicar os métodos e procedimentos de laboratório. O camelo, na fábula, desaprova todos os outros animais por não terem uma bossa assim como o cientista que trabalha no laboratório considera este trabalho como a única fonte válida para investigacção, e equações diferenciais como a única forma adequada de expressar os resultados do pensamento científico. No entanto nenhuma das grandes invenções modernas teria tido utilidade prática se a mentalidade da era pré-capitalista não tivesse sido completamente demolida pelos economistas. 

O que é comummente chamado de “revolução industrial” foi o resultado da revolução ideológica efetuada pelas doutrinas dos economistas. Foram eles que fizeram cair velhos dogmas como por exemplo: 

 - que é desleal e injusto superar um competidor produzindo melhor e mais barato; 

 - que é iníquo desviar-se dos métodos tradicionais de produção; 

 - que as máquinas são um mal porque trazem desemprego; 

 - que é tarefa do governo evitar que empresários fiquem ricos e proteger o menos eficiente na competição com o mais eficiente; 

 - que reduzir a liberdade dos empresários pela compulsão ou coerção governamental em favor de outros grupos sociais é um meio adequado para promover o bem estar nacional.

b) por outro lado, as pessoas tornaram-se prisioneiras da falácia segundo a qual o progresso nos métodos de produção foi contemporâneo à política de laissez faire apenas por acidente. Iludidos pelos mitos marxistas, consideram o estágio atual de desenvolvimento como o resultado da acção de misteriosas “forças produtivas” que não dependem em nada de fatores ideológicos. Defendem que a economia clássica não foi um fator no desenvolvimento do capitalismo, mas, ao contrário, foi seu produto, sua “superestrutura ideológica”, foi uma doutrina destinada a defender os interesses espúrios dos exploradores capitalistas. Consequentemente, a abolição do capitalismo e a substituição da economia de mercado e da livre iniciativa pelo socialismo totalitário não prejudicaria o ulterior progresso da tecnologia. 

As políticas económicas das últimas décadas têm sido o resultado de uma mentalidade que escarnece de qualquer teoria económica bem fundamentada e glorifica as doutrinas espúrias de seus detratores. O que é conhecido como economia “ortodoxa” não é ensinado nas universidades da maior parte dos países, sendo virtualmente desconhecida dos líderes políticos e escritores.

A praxiologia é uma ciência teórica e, como tal, abstém-se de qualquer julgamento de valor. Não lhe cabe dizer que fins as pessoas deveriam prosseguir. É uma ciência dos meios a serem aplicados para atingir os fins escolhidos e não, certamente, uma ciência para escolha dos fins. As decisões finais, a avaliacção e a escolha dos fins, não pertencem ao campo de nenhuma ciência. A ciência nunca diz a alguém como deveria agir; meramente mostra como alguém deve agir se quiser alcançar determinados fins.  

Para muita gente pode parecer que isso é muito pouco, e que uma ciência limitada à investigacção do ser, e incapaz de expressar um julgamento de valor sobre os mais elevados e definitivos fins não tem qualquer importância para a vida e a acção humana. Isso é um erro mas a desmontagem desse erro não é tarefa destas notas introdutórias.  É um dos objetivos deste blog.


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