Cinco razões para abandonar o PIB
Para começar, ele foi criado com o intuito de avançar a agenda keynesiana
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A forma tradicional de calcular o PIB de um país recorre à seguinte equação
C representa os gastos do setor privado, I representa o total de investimentos realizados na economia, G representa os gastos do governo, X é o total das exportações e M, o das importações.
Logo de partida, é possível notar distorções graves: gastos governamentais são considerados atividades económicas viáveis; e importações são consideradas negativas, e são subtraídas das exportações, que são consideradas positivas.
Mas não é só. Há inúmeras distorções
1. O medidor que não mede
O cálculo do PIB tem o objectivo de medir a atividade económica. Só que ele não mede, na realidade — e nem tem como medir — a qualidade, a rentabilidade, a amplitude, os avanços dos bens e serviços produzidos. E isso é o que realmente importa para uma economia.
Por exemplo, se um navio — construído a custos altos — estiver navegando sem passageiros, sem cargas, e sem conseguir pescar nada, ainda assim sua construção terá contribuído para o crescimento do PIB. Não importa se tal navio foi lucrativo para os investidores ou se ele está ancorado no cais, mas contribuiu para aumentar o PIB. Navegando nos mares ou enferrujando abandonado num estaleiro, o PIB do país cresceu por causa de sua construção.
Pondo as coisas de outra maneira, o PIB não avalia corretamente o valor dos bens e serviços produzidos por uma economia, e, consequentemente, é incapaz de estimar o nível de vida de uma sociedade. O PIB é uma régua com uma métrica totalmente irregular.
Eis uma evidência empírica que comprova esse absurdo: em 1990, o PIB soviético equivalia à metade do PIB americano, de acordo com o CIA Factbook de 1991. Só que ninguém que visitasse a União Soviética em 1990 iria acreditar que a sua economia sequer chegasse perto de ter 50% da qualidade e da quantidade dos bens e serviços produzidos nos EUA. As estatísticas de produção definidas pelo PIB podiam ser robustas, mas construir estradas que vão do nada a lugar nenhum, fundir aço que não será utilizado na fabricação de nenhum produto, e fazer pães intragáveis é forçar demais a definição de "produção".
2. Gastos, de qualquer tipo, aumentam o PIB
A equação do PIB não distingue as transações económicas que beneficiam a saúde da economia do país daquelas que apenas a enfraquecem. Atividades destruidoras de riqueza são incluídas em pé de igualdade com atividades produtoras de riqueza.
Quando há um furacão ou uma enchente devastadora, os esforços de reconstrução fazem o PIB aumentar, não obstante toda a destruição e todas as perdas trágicas enfrentadas pela população. Outras despesas negativas, como gastos contra a criminalidade, gastos com médicos, gastos com divórcios, gastos com a defesa nacional, gastos para se reparar depredações etc., tudo isso aumenta o valor do PIB, sendo, portanto, considerado geração de riqueza e bem-estar económico.
Quando alguma indústria, para produzir algum bem, consome recursos naturais até seu completo esgotamento, isso também gera um aumento no PIB. Quando uma petroleira deixa vazar petróleo no mar, o dinheiro gasto para limpar o oceano aumenta o PIB. Se algum lixo tóxico é derramado num rio, o dinheiro gasto para descontaminar o rio estimula o PIB.
Mais absurdo ainda: o dinheiro que foi gasto para criar esse lixo tóxico também gera acréscimos ao PIB.
3. Exagera na importância do consumo como factor de crescimento económico
Que transações deveriam ser incluídas no cálculo do PIB? Dado que a maioria dos produtos foi produzida utilizando outros produtos intermédios que já tinham sido produzidos, os arquitetos do cálculo do PIB tentam evitar essa "dupla contagem" incluindo na equação apenas bens e serviços finais.
Por esse método, a produção de um carro é contabilizada (como um aumento nos stoques), mas os metais, as borrachas e os plásticos comprados durante o processo de produção do carro são desconsiderados. Essa exclusão de determinadas transações "intermediárias" simplesmente exclui volumes significativos da atividade económica. Sendo assim, o PIB simplifica em demasia a real situação da economia ao sobreestimar o consumo em detrimento dos investimentos produtivos.
Só que variações no investimento e nas cadeias produtivas influenciam muito mais a economia do que variações no consumo.
Por que uma sociedade poupadora enriquece e uma sociedade consumidora empobreceE tudo piora: se toda a população resolvesse gastar tudo o que tem isso elevaria enormemente o PIB. Só que o consumismo não gera nenhum crescimento económico. O que gera crescimento são investimentos, e investimentos só são possíveis quando há poupança, que é o exato oposto do consumismo.
Uma sociedade que consumisse 100% do seu rendimento teria um PIB bastante aumentado, mas não teria um único bem de capital existente. Dado que ela não poupa, ela não consegue acumular capital. Sem capital acumulado, não consegue aumentar sua produtividade. Sem aumento de produtividade, não sai da pobreza.
Assim, numa sociedade extremamente consumista não haveria habitações, não haveria fábricas, infraestruturas, não haveria meios de transporte, máquinas, escritórios e imóveis comerciais, não haveria laboratórios, cientistas, arquitetos, universidades, não haveria nada.
Simplesmente, todos os indivíduos estariam permanentemente ocupados a produzir bens de consumo básicos — comidas e vestuário — e não se dedicariam à produção de bens de capital, que são investimentos de longo prazo que geram bens futuros. Por definição, se uma sociedade consumisse 100% da sua produção, não produziria nenhum outro bem que não fosse de consumo imediato.
Mas o PIB, no imediato seria bastante impulsionado por esse consumismo e rapidamente cairia pela falta de produtividade.
4. Os gastos do governo impulsionam o PIB, mas prejudicam a economia
Talvez o mais sério problema com o PIB esteja no fato de que ele inclui os gastos do governo como se fossem um componente tão legítimo quanto os outros.
Para começar, os gastos do governo só são possíveis porque ele tem o poder de extrair dinheiro do setor produtivo: dos trabalhadores assalariados e dos empreendedores. Consequentemente, as receitas do governo são auferidas de maneira coercitiva, e advêm do setor produtivo da economia.
Logo, um aumento dos gastos do governo (o que aumenta a equação do PIB) significa, de maneira muito simples, que o governo ou aumentará os impostos para fazer frente a esses novos gastos ou irá endividar-se mais ainda — o que significa que, dado que o governo está usando mais crédito, menos crédito ficará disponível para financiar empreendimentos produtivos.
Assim, dado que os gastos do governo são financiados por impostos e endividamento do governo, eles desestimulam a poupança, a produção e o investimento futuros.
Nada disto é positivo para a economia.
Mas pior: os gastos do governo são, inevitavelmente, de má qualidade. O governo gasta o dinheiro alheio (dos impostos) com terceiros (funcionalismo público, subsídios para grandes empresários amigos do regime, obras públicas feitas por empreiteiras ligadas a políticos, artistas e eventos culturais etc.) e consigo próprio (salários, benefícios e mordomias para políticos; ministérios, agências reguladoras, secretarias e estatais; campanhas eleitorais; contratação de apadrinhados; propagandas etc.).
Nenhum desses gastos está ligado à maximização do bem-estar social.
Gastos, de qualquer natureza, só podem gerar benefícios na economia quando são feitos voluntariamente em troca de bens e serviços prestados. Porém, no que diz respeito ao governo, a situação é totalmente diferente: os gastos do governo baseiam-se na coerção (impostos) e não têm necessariamente relação com os serviços que ele presta à população (queira ela ou não). Com efeito, é simplesmente impossível medir esses serviços.
E há também o problema dos custos de oportunidade. Se o governo, por exemplo, construir uma ponte ligando o nada a lugar nenhum, e fizer tal obra utilizando materiais caros e pagando preços sobrefacturados (os fornecedores, por saberem que o governo não tem preocupação com custos, irão cobrar o máximo possível por seus materiais), o PIB subirá.
Só que estes mesmos recursos poderiam ter sido mais bem utilizados pelo setor privado, o qual é sensível à procura e tem de se preocupar com todos custos e com os resultados das suas decisões. Aquilo que foi utilizado pelo governo num setor será necessariamente retirado de outro setor. Se os gastos do governo imobilizam recursos num setor, então outros setores ficaram sem estes mesmos recursos.
Consequentemente, por ter sido despojada de recursos escassos (os quais foram imobilizados pelo governo em obras esbanjadoras), a riqueza futura desta economia será menor.
Dado que os serviços do governo não são vendidos voluntariamente no mercado, eles não possuem preços determinados pelo mercado. Logo, não há como calcular seu real valor de mercado para aqueles que beneficiam deles. E quanto mais esbanjadores forem os gastos do governo, maior será o PIB — uma contradição total.
Uma descrição mais aturada da atividade económica seria eliminar os gastos do governo do cálculo do PIB. Ou, indo mais além, deduzir do PIB todos os gastos do governo, uma vez que todo o gasto governamental representa uma clara depredação, e não uma adição, à atividade económica. (link)
5. As importações são subtraídas das exportações
O cálculo do PIB considera que as importações subtraem riqueza da economia. Isso pode ser contraditório.
Para começar, ao subtrair as importações, a equação do PIB subestima a contribuição do comércio para a atividade económica como um todo. Uma economia que exporta €1 e importa €1 contribuirá 0€ para o PIB, o mesmo que uma economia que exporta €100 bilhões e que importa €100 bilhões.
No entanto, por motivos óbvios, a segunda economia é muito mais dinâmica e rica.
Ad Basta pensarmos que exportou bens e serviços onde é internacionalmente competitiva e importou bens e serviços que não consegue produzir a custos competitivos. E mais, dar às importações uma conotação negativa não faz nenhum sentido económico. Se, por exemplo, a economia está importando máquinas e bens de capital, isso irá torná-la mais produtiva, e não menos, que é o que a equação sinaliza.
Olhando-se estritamente do ponto de vista contábilístico, as importações são subtraídas porque o cálculo do PIB apenas pretende medir aquilo que é transacionado dentro das fronteiras do país, sem se importar com a nacionalidade do produtor. Assim, um VW fabricado na AutoEuropa gera um aumento no PIB; porém, se uma empresa portuguesa residente no estrangeiro vendesse para Portugal um produto seu fabricado lá fora, mesmo que fosse um bem de capital que aumentasse a produtividade da economia, tal transação diminuiria o PIB.
Tratar as exportações como algo positivo e as importações como algo negativo é um resquício da mentalidade mercantilista. Se o objetivo do PIB é medir os bens e serviços fornecidos às pessoas que vivem dentro de uma região geográfica, então as importações — e não as exportações — é que são benéficas. Um aumento das importações indica que o poder de compra da população aumentou; indica que o bem-estar da população aumentou. Já um aumento das exportações indica que a população agora possui menos bens ao seu dispor, pois estes foram enviados para fora. Pode também indicar que o poder de compra da população está em queda, o que significa que a exportação foi a maneira de as empresas se livrarem de seus excedentes não consumidos. Em ambos os casos, o nível de vida da população diminuiu.
O PIB é uma medida keynesiana
O russo Simon Kuznets (1901-1985) foi quem revolucionou a econometria e padronizou a medição do PIB. Após ter adquirido as suas qualificações estatísticas na Rússia bolchevista, emigrou para os EUA para continuar as suas pesquisas, que culminaram no livro, lançado em 1941, chamado National Income and Its Composition, 1919–1938 (O Rendimento Nacional e sua Composição, 1919-1938).
Embora não fosse um keynesiano per se, a natureza e o momento exato das suas pesquisas serviram para de suporte à "revolução keynesiana, uma vez que o planeamento central requer estatísticas económicas: afinal, as estatísticas são os olhos e os ouvidos do burocrata, do político, do reformador socialista. É somente pelas estatísticas que eles conseguem descobrir, em toda a economia, quem "necessita" do quê, e quanto o governo deve gastar para que isso aconteça.
As instáveis bases teóricas do PIB, bem como a sua aceitação politicamente conveniente, distorcem o desempenho e a natureza de uma economia ao mesmo tempo que são incapazes de estimar de maneira satisfatória o real nível de vida de uma sociedade. Com efeito, o próprio Kuznets entendeu isso. No seu primeiro relatório ao Congresso americano, em 1934, ele disse que "o bem-estar de uma nação dificilmente pode ser inferido de uma medição do rendimento nacional".
Ainda assim, o uso cego e generalizado do PIB persiste até hoje. O fato de a sua existência e persistência servirem apenas às políticas keynesianas de estimular o consumo, defender aumentos dos gastos governamentais, incentivar as exportações por meio de desvalorizações cambiais e restringir as importações por meio de tarifas protecionistas não é algo que deve ser considerado uma mera coincidência.
Infelizmente, as consequências de tudo isso — estagnações económicas, aumento do endividamento e inflação — são tão inevitáveis quanto previsíveis.
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